quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O Flamboyant vermelho se foi para sempre


Hoje fui andar com meu cachorro, e por acaso, entrei numa rua que não me era estranha. Logo reconheci, e vi que se tratava da rua onde eu tinha morado há cerca de 10 anos atrás.

Muitas das casas da vizinhança preservavam a lembrança que eu tinha do lugar. Mas, exatamente a casa que eu morei, simplesmente, não existe mais.

No lugar dela, um grande gigante de concreto. Grande, e chique.

No momento que vi aquilo, me senti triste. Como se tivessem apagado, eliminado um pedacinho da minha história, colocando outra coisa no lugar. Como se tivessem apagado alguns vestígios da minha existência; será assim, quando morremos? As coisas aos poucos vão sobrescrevendo todos os vestígios de que você um dia existiu?

Ah, aquela casa, onde eu vivi meus 12, 13 anos. Era uma casa grande, um terreno enorme cheio de árvores. Aquele flamboyant vermelho, "no desmantelo da tarde", lindo, florido, logo na entrada, descendo em suas curvaturas naturais... aquele caminhozinho de pedras, do portão singelo de madeira até o terraço. Aquelas árvores muito altas, não sei o nome delas, mas elas pareciam pinheirinhos, soltavam umas bolinhas que espetavam, secas... que os meninos gostavam de juntar pra brincar de guerra.

Nada disso existe mais.

As mangueiras pesadas de frutos, onde os morcegos vinham à noite pra comer. O grande terreno de areia, onde eu corria com os cachorros dando voltas ao redor da casa, e onde também torci o pé uma vez e não consegui gritar de tão grande que foi a dor. Quando não tinha computador, e eu passava as tardes assistindo "Sessão da Tarde" ou reclamando que não tinha nada pra fazer.

Até a casa vizinha, onde morava naquele tempo o menino que foi meu primeiro namoradinho, estava lá, igualzinha; mas da casa que morei não existia nenhum vestígio.

Apenas um monte de famílias empilhadas umas sobre as outras, pessoas olhando lá de cima de suas varandas em uma posição privilegiada, observando a minha pequenez cá embaixo, com meu cachorrinho. E eu, tentando encontrar, um sinalzinho que fosse da minha passagem por ali. Aquelas pessoas me viam como mais um anônimo que passa na rua, e eu me sentia totalmente injustiçada com isso, EU, que morei anos e anos ali, que dominava aquele lugar inteiro onde hoje elas vivem.

De cima do flamboyant eu via a rua e os meninos jogando bola, bem do alto da minha introspecção própria e quase autista.
Hoje, não tem mais flamboyant nenhum. Só uma portaria.

Ali mesmo, onde o porteiro varria a calçada, uma árvore fez sombra pro meu primeiro beijo - que eu detestei, odiei, "que coisa nojenta" - eu pensei na época.

E ali naqueles minutos de indignação, encontrei, na lateral calçada do prédio, as únicas testemunhas vivas de que, um dia, eu fiz parte daquele lugar: duas árvores, hoje grandes, que na época ainda eram bem jovens, me olhavam de dentro de suas armaduras de longevidade inabalável; elas, que serviram de trave quando eu ensaiava pra ser goleira de futsal na escola, elas estavam ali intactas, mesmo depois de toda aquela destruição que aconteceu para que o monstro de concreto pudesse nascer. Elas continuavam. Não devem ter atrapalhado os planos do monstro, afinal, estavam à margem. Todo o resto precisou desaparecer completamente.

Elas, talvez, me reconheceram. Ninguém mais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Na minha casa tbm tinha um flamboyant gigante...

Lindo texto. Muita saudade.

Beijo

Fabi disse...

Angelina, eu lembro que quando ia pra escola passava por uma esquina q tinha um pé de amora.E eu sempre comia uma. Pois construiram uma via expressa e lá se foi o pé de amora.
Essas modificções são horriveis sabe? Por mim ficava tudo igual sempre, rs
bj